quarta-feira, 31 de março de 2010

Lendas de Estrelas

a) O Sete-estrelo ou Plêiades (lenda Kaxinawá) - Uma jovem índia tinha sete filhos. Entretanto, não cuidava dos pequenos e passava horas balançando-se na rede. Era a avó quem tratava das crianças, agasalhando-as quando tinham frio ou dandos-lhes de comer. Mas, um dia, a avó morreu e os meninos ficaram desamparados. O mais velho dos irmãos é que procurava o que comer: frutas, mel, palmitos. Era, porém, ainda pequeno e nem sempre conseguia alimento para todos. Quando os filhos choravam de fome, a índia os enganava com alguns restos de caça, ossos descarnados e nada mais. Uma noite, eles estavam com muita fome, já sem forças e fracos de tanto chorar. Então o irmão mais velho disse: "Vamos para o céu? Lá nós sempre teremos comida, frutas e mel." Todos concordaram em ir para o céu. Nesse momento passou uma brisa, ouviu o que as crianças diziam e foi erguendo-as devagarinho, até que a mãe acordou na rede. Vendo que os filhos não estavam ali, ela chamou-os aflita. E uma voz muito fraca respondeu do alto: "Mamãe, nós estamos indo para o céu!" "Filhos meus - ela gritou, cheia de dor - venham para cá, que eu darei o que quiserem!" Era tarde... Os meninos continuaram a subir e, lá no céu, transformaram-se nas estrelinhas que se chamam Sete-estrelo. Sete-estrelo ou Plêiades é um aglomerado de 7 estrelas da constelação de Touro, das quais 6 são visíveis a olho nu (sem o auxílio de telescópios). (O Mundo da Criança - vol.5, 1949, Ed. Delta)

b) A Cobra Grande e o Serpentário - Numa tribo do Amazonas, havia uma mulher tão má que até devorava crianças. Um dia, a tribo decidiu atirá-la no rio, para que morresse afogada e nunca mais perseguisse alguém. Porém o Anhanga, espírito protetor de animais e fêmeas grávidas, decidiu salvá-la. Casou-se com ela, deu-lhe um filho e transformou o menino em cobra, para que pudesse viver dentro do rio. Mas logo a cobra começou a crescer, crescer... e o rio tornou-se pequeno para abrigá-la. Devorados por ela, os peixes iam desaparecendo. Durante a noite, como se fossem faróis, seus olhos iluminavam os rios e as praias, vagando fosforescentes na busca por homens e caça para devorar. Aterrorizadas, os índios deram-lhe o nome de Cobra Grande. No dia que a mãe da Cobra Grande morreu, sua dor manifestou-se por um violento ódio. De seus olhos brotaram flechas de fogo que, atiradas contra o céu escuro, transformaram-se em raios. A partir deste dia, a Cobra Grande se recolheu. Crê-se que viva adormecida debaixo das grandes cidades. E, só acorde durante as grandes tempestades, para assustar com a luz dos relâmpagos, e para anunciar o verão no céu em forma de Serpentário (constelação boreal).

c) O Serpentário (constelação boreal) - Uma jovem índia vivia solitária, numa casinha perdida no fundo da mata. Comia do que lhe davam as árvores do bosque e o peixe que pescava num riacho próximo. Sentia-se muito só. "Vou procurar alguém que more comigo!" Pensou um dia. Foi. Correu a floresta, em busca de uma oca. Depois de andar bastante, avistou, ao longe, uma choupana. Aproximou-se com o coração aos pulos. No terreiro, um homem que moqueava* comida. "Vives aqui?" Perguntou a moça. "Sim, moro aqui!" Respondeu ele, surpreso. "Vim de um lugar distante. Se quiseres, morarei contigo. Sei cozinhar, tecer as fibras do timbó, fazer redes." "Pois bem, ficarás! Vejamos se é verdade o que dizes. Aqui tens fibra. Começa a tecer!" O homem deixou-a outra vez sozinha. Dava-lhe trabalho mas nada oferecia de comer. A jovem, para não morrer de fome, ia ao galinheiro, todas as noites; tirava um ovo, fazia um furinho na casca e bebia a gema. Depois, recolocava-o, aparentemente perfeito, no ninho. O índio desconfiou. Para ter certeza, esvaziou um ovo e pôs, dentro, um fio de cabelo. À noite, como fazia sempre, a mulher tornou ao galinheiro. Engoliu o cabelo que, no seu estômago, transformou-se em cobra. Ao voltar, o marido percebeu que havia serpentes no ventre da esposa. "Vamos à floresta apanhar sorva (fruta)!" propôs. "Eu também vou!" gritou a cobra. Os dois assustaram-se com aquilo. Mas resolveram prosseguir. Escolheram uma árvore carregada de frutos. "Eu mesma vou subir!" Disse novamente a víbora, e saiu pela boca da índia. "Amarre a cauda na árvore." Ordenou o homem à mulher. Correram, fugindo desesperadamente. Chegando em casa, o índio escondeu a esposa numa urna de barro. A serpente veio depressa: "Minha mãe! Minha mãe!" Procurou-a por toda choupana. Não pôde achá-la. Foi até o rio, buscou-a no bosque, tudo em vão! Então, subindo ao céu, disse ao homem: "Por que escondeste minha mãe? Vou para onde moram as nuvens. Quando eu surgir no firmamento, começará o verão. Sai e prepara a roça!" É por esta razão que a constelação do Serpentário aparece nos céus da Amazônia em setembro. (Lendas Indígenas - Gráfica Ed. Aquarela, SP, 1962) *Moquear - secar o alimento (carne) para conservar

d) Taina-Can, a estrela Vésper (lenda Carajá) - Um casal carajá teve duas filhas: Imaeró (Imaherô), a mais velha e Denaque (Denakê), a mais nova. Num anoitecer de céu estrelado, Imaeró viu Taina-can (Tahina-can) brilhar tão bela que não se conteve e disse: “Pai, é tão bonito aquilo! Eu queria possuí-lo!”. O pai riu e disse-lhe que Taina-can estava tão longe que ninguém o poderia alcançar. Contudo acrescentou: “Só se ele, ouvindo-te, quiser vir.” Alta noite, quando todos dormiam, a moça sentiu que alguém estava ao seu lado. Sobressaltada, indagou: “Quem és e o que queres de mim?” “Eu sou Taina-can, ouvi que me querias e vim. Casa comigo, sim?" Imaeró acordou os pais e acendeu o fogo. Taina-can era um velho, de cabelos brancos e pele enrugada. Vendo-o à luz da fogueira, Imaeró disse: “Não te quero para meu marido. Eu quero um moço forte e bonito.” Taina-can ficou muito triste e chorou. Então, Denaque, compadeceu-se dele e procurou consolá-lo dizendo: “Pai, eu me caso com ele!” E, o casamento realizou-se, com grande alegria do velhinho. Depois de casado, Taina-can disse: “Vou trabalhar para te sustentar, Denaque. Vou fazer um roçado para plantar coisas boas, que carajá ainda não possui nem conhece.” E foi ao rio Araguaia (Berô-can), dirigiu-lhe a palavra e, entrando nele, ficou com as pernas abertas, de maneira que as águas passavam entre elas. Curvado para a corrente, de vez em quando mergulhava as mãos e apanhava as boas sementes que iam jogando rio abaixo. Assim, as águas deram-lhe um punhado de milho cururuca, feixes de raiz de mandioca, e muito mais. Saindo do rio, ele disse a Denaque: “Vou derrubar mato para fazer roçado. Porém, não venhas me ver no trabalho, fica em casa, cuidando da comida" Taina-can foi, mas demorou tanto que, preocupada, Denaque resolveu desobedecer às recomendações e foi, de mansinho, procurá-lo. Ah! Que surpresa! Quem estava ali a trabalhar era um belo moço, alto, cheio de força e de vida, que tinha no corpo os enfeites e as pinturas que os carajá ainda hoje usam. Denaque não se conteve, louca de alegria correu a abraçá-lo. Depois, o levou consigo para casa, contente por mostrar aos pais como seu esposo era na verdade. Foi então que Imaeró o desejou também e disse a Taina-can: “Tu és meu marido, pois vieste para mim e não para Denaque.” Mas Taina-can respondeu-lhe: “Só em Denaque encontrei bastante bondade, para ter pena do pobre velhinho. Agora não te quero, só Denaque é minha!” Imaeró, de despeito e inveja, soltou um grito, caiu no chão e no lugar dela, viu-se um Urutau, pássaro que ainda hoje dá um grito triste e tão forte que parece ser uma ave muito maior. Foi assim que a nação carajá aprendeu com Taina-can a plantar o milho, o ananás, a mandioca e outras coisas boas que antes não conhecia. (Impressões da Comissão Rondon, Amilcar B. de Magalhães, Cia. Editora Nacional, RJ, 1942)

e) Estrela Vésper (lenda Carajá) - Os índios carajás, ao se ausentarem de sua aldeia para caçar, recomendavam às esposas que não saíssem da aldeia. No início, a ordem era cumprida. Mas, depois de algum tempo, as esposas desobedeceram os índios. Esperavam que eles saíssem e partiam em direção ao Rio Araguaia para apanharem ovos de tracajá (espécie de tartaruga pequena). Um belo dia, o filho do cacique, muito curioso, seguiu os passos de sua mãe. E a viu conversando com um desconhecido. Logo descobriu que era o Cananxiué, o famoso deus dos carajás. Depois de algum tempo, sua mãe apareceu grávida. E deu à luz a mais bela menina já nascida na aldeia. O marido, intrigado, passou a maltratar a esposa. Enquanto isso, a menina crescia lindamente, chamando a atenção de todos da aldeia. Numa bela noite, enluarada e de muitas estrelas, a indiazinha resolveu contemplar o céu na praia do Rio Araguaia. Chegando lá, olhou para o alto e ficou enamorada de uma estrela. Parecia que ela piscava para a indiazinha. Era a maior e mais linda das estrelas, a Estrela D'alva que na língua carajá chama-se Tainan-Racã. A jovem imaginou possuir aquela estrela e, Cananxiué, o seu protetor, sabendo do seu desejo logo o realizou. Mas o sonho não foi o que ela esperava. Quando a estrela desceu até a praia, transformou-se num Matucari que, em carajá, significa velhinho. Mesmo assim, eles se casaram. Todos os dias, o velhinho acordava cedo, pegava seu cesto e ia à roça plantar e colher. Antes de partir ele falava à esposa para não sair de casa antes de sua volta. Com o passar dos dias, ela não suportou a curiosidade e seguiu seu marido. Chegando à roça, teve grande surpresa. Seu marido se transformara num jovem carajá, bonito e forte. Espantada, imediatamente gritou: "Por que você não é assim o tempo todo?" Aborrecido, o marido transformou-se novamente em estrela e voltou para o céu. A índia ficou sozinha, triste, não comia e nem dormia mais. Só ficava deitada na rede. Cananxiué, penalizado, transformou-a numa pequena estrela e lhe disse: "Agora irás ficar no céu, ao lado de seu esposo, e passarás a se chamar Tainazinha."

f) Constelações indígenas – O professor de física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Germano Affonso, descobriu que as principais constelações dos tupinambás, que habitavam a costa brasileira no século 16, são comuns a diversas outras etnias do Brasil. Entre elas, destacam-se as constelações de Ema, Anta, Homem Velho e Veado, de um total de cerca de cem grupos de estrelas. As constelações indígenas, segundo ele, têm funções práticas semelhantes às das constelações ocidentais: marcar a passagem do tempo, as estações do ano e servir como pontos de orientação. Mas são maiores, mais facilmente reconhecíveis e formadas não só a partir de estrelas, como de manchas na Via Láctea (Caminho de Anta ou Caminho dos Espíritos, para os tupinambás). A cultura ocidental reconhece, atualmente, a existência de 88 constelações. O maior número delas entre os povos indígenas, segundo ele, tem uma explicação: "Para os índios, a terra nada mais é que um reflexo do céu. Tudo que há aqui tem de ter estado lá. No céu há necessariamente mais coisas que na terra", afirmou. Entre essas "coisas", "constelações espirituais", que seriam entidades benéficas e maléficas e que, dependendo de sua aparição no céu, influenciam a vida dos povos indígenas. A constelação da Ema, é comum a quase todos os povos do Brasil. Sua aparição por inteiro no céu quando anoitece, para os índios do sul do país, indica a chegada do inverno, e, da seca, para os índios próximos ao equador. O Veado é a estação que marca o outono, e a Anta, a primavera. A constelação do Homem Velho indica a chegada do verão ou da estação chuvosa. Constituída por estrelas do escudo de Órion, ela é semelhante a um homem velho segurando um bastão para se equilibrar. Conta o mito guarani que essa constelação representa um homem casado com uma mulher muito mais jovem do que ele. Sua esposa ficou interessada no irmão mais novo do marido e, para ficar com o cunhado, matou o marido, cortando-lhe a perna na altura do joelho direito. Os deuses ficaram com pena do marido e o transformaram em uma constelação. A constelação da Ema se localiza numa região do céu limitada pelo Cruzeiro do Sul e Escorpião. Sua cabeça é formada pelo Saco de Carvão, nebulosa escura que fica próxima à estrela Magalhães. A Ema tenta devorar dois ovos de pássaro que ficam perto de seu bico, representados pelas estrelas alfa Muscae e beta Muscae. As estrelas alfa Centauro e beta Centauro estão dentro do pescoço da Ema. Elas representam dois ovos grandes que a Ema acabou de engolir. Uma das pernas da Ema é formada pelas estrelas da cauda de Escorpião. As manchas claras e escuras da Via Láctea ajudam a visualizar a plumagem da Ema. Conta o mito guarani que a constelação do Cruzeiro do Sul segura a cabeça da Ema. Caso ela se solte, beberá toda a água da Terra e morreremos de seca e sede (Fontes: Jornal da USP; Scientific American Brasil; Assessoria de Imprensa UFPA)

g) Origem das estrelas (lenda Bororo) - Entre os índios, os homens passam os dias na caça e na pesca. São as mulheres que tecem as redes, vão à roça plantar mandioca e conseguem outros alimentos. Numa tarde, algumas mulheres saíram para procurar milho. Caminharam até a noite e só acharam uns pezinhos mirrados. Voltaram à tribo com o punhadinho de espigas. Julgando que teriam mais sorte, na tarde do dia seguinte, levaram junto um menino. O curumim andava sempre na mesma direção. Parecia saber onde estava o que procurava. De fato, pouco tempo depois, depararam com um campo coberto de pés de milho. As índias trataram de colher as espigas, esquecendo do menino que, sorrateiramente, apanhou algumas para si. Ele voltou correndo para casa: "Vovó podes fazer um pão para mim?" A velhinha concordou. Debulhou os grãos, moeu-os e preparou a massa. O curumim foi chamar os companheiros. Vieram. O pão já estava pronto. Comeram-no como se estivessem quase a perecer de fome. Depois, puseram-se a cismar: "E se as nossas mães descobrissem o que fizemos?" Decidiram cortar a língua e os braços da avó do menino: ela poderia contar qualquer coisa... "Vamos cortar também a língua do papagaio!" Preveniu outro, temendo que a pobre ave repetisse o que tinha ouvido. Tendo feito isso, ficaram ainda com mais medo. Se as mamães voltassem agora, como iriam explicar o que acontecera? Resolveram fugir. Pediram a um colibri que pegasse a ponta de um cipó: "Amarra-o no galho de alguma árvore lá do céu!" Os indiozinhos agarraram-no e começaram a subir, segurando-se nos nós. Enquanto isso, as mulheres retornaram. A velha não podia falar. Viram o cipó: lá estavam os meninos; gritaram para que eles que descessem; os garotos subiram mais depressa. As mães começaram a trepar também. Quando elas chegaram ao céu, os meninos cortaram a sua "escada". As índias caíram e transformaram-se em feras. Os curumins viraram estrelas, por castigo. Foram obrigados a ficar eternamente olhando para a terra, vendo a desgraça de suas mães. (Lendas Indígenas - Gráfica Ed. Aquarela, SP, 1962)

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